A Vila e Os Lobos

Peça para viola caipira, violino, clarinete e voz nas comemorações do aniversário de Villa Lobos no parque que leva seu nome para o evento Barulho.org.

Intermezzo
primeiro movimento: a vila
1 padre não consegue dormir, 1 padeiro põe a massa na fornalha, 3 filósofos se reúnem, 9 pedreiros, 2 eletricistas, 4 mecânicos, 6 poetas líricos, 2 poetas malditos sendo 1 laureado, 13 ascetas, 7 heremitas, 12 crianças, 11 cozinheiros, 5 legisladores, 78 trabalhadores braçais, 8 escultores, 1 xamã, 14 músicos, 17 músicos procuram por 1 compositor, 15 burocratas, 16 policiais mas nenhum bandido, 2 pai de santos, 19 roçeiros trancaram suas portas e as marcaram com sangue de novilho, 10 viúvas, 18 jovens perdidos na noite que se silencia, 1 mãe consola seus 2 bebês que choram, 21 mendigos fogem rumo ao norte, 3 mulheres excluídas arrastam 1 compositor(Ernesto) e cozinham sua carne sob a lua.

segundo movimento: os lobos
os lobos cercam a vila
os lobos estraçalharam a vila
um a um e todos
restando somenta as crianças
... quando nasce o dia,
a loba mais velha vêm e amamenta-os


Presenças


Quando Maura Baiochi da companhia Taanteatro de Butoh Nô me pediu trilhas para acompanhar 20 solos, decidi por seguir um processo de escuta institucional e focar na subjetividade de cada um dos solistas e na harmonia contextual, pesquisa que estava a realizar paralelamente à ciberfonia#2. O importante aqui talvez seja notar que a composição não tem o intuito de servir de base à performance mas sim de servir de disparador emocional para o intérprete. Ao fim do processo, escrevi a seguinte carta à companhia como libreto da parte que me sobrou no fundo musical.

 
Novas presenças,
Difícil falar, difícil fazer. Fizemos o que quisemos. Não há ensaio para a vida, apesar de alguns insistirem em fazer meramente o que podem.
The only news is bad news. Representação e repressão coagem na redução do corpo a linguagem. Minha gratidão aos corpos que mantiveram-se em arte apesar do picadeiro burocrático, meu amor à poesia feita com restos de manuais de instrução, tábuas morais, obituários e bulas médicas. Só o que não tem o que dizer engole a língua morta de Zoroastro sem mastigá-la.
Suor algum jamais deixou entressaber o sabor de um sangue, o esforço é imanente e o aquecimento pouco se sente nos desertos de gelo onde Narciso mendiga impondo a atenção da platéia.
Solo em suas incontáveis camadas de solidão, quem ainda tem amor o bastante para se pôr numa mão trêmula de gana e ânsia a apontar uma direção vazia qualquer? Desta entrega se arteia o fogo intensificante das mariposas, mas os carrapatos se alimentam dos cães mais dóceis.
Vi escadas quebrarem por menos que um degrau podre no seu topo. No teatro elizabetano é uma só voz que se ouve nas distintas bocas, não a de Shakespear mas a de Elizabeth. Não há público, mas súditos. Não importam os intérpretes, mas os papéis.

Velhas ausências,
Tênue linha que depara a falsa inocência agridoce do pseudoxamã picareta com o sinismo do capitão donatário. Toda Compania de Teatro tem um pouco de Compania das Índias. De gota em gota de fel, a preguiça mercenária tensiona o ar para os que ainda respiram paixão. Marcar passo é para os corações frágeis.
Quando o que nos resta de talento a doar se reduz à direção do auto-ofuscamento, a faisquinha de nossos brilhos suspira não mais que vaidades e nostalgias(não concordas Frida?) e todo encontro passa a ser mediado pela mesquinharia, protegida sob a autoproclamada genialidade. Quando o bafo toma o auditório, quão fácil confundir o frescor do trabalho com frescura, teatro sala e teatro gesto.
Enfraquecer as paixões do ato alheio ressalta pela ausência a direção de nossos próprios umbigos nas ovas pretensas. Delicada arte de embalar marionetes pelos refluxos do sentimento na carne, chamadas moedas de troca, pentagramas, cinco são os princípios do corpo encarcerado. É para o centro do espaço coletivo, o diretor gravitacional dos ouros, que se voltam as energias espirais duma mandala, instrumento de hipnose. Humilhar é o fim último desta humildade gentil, dizendo-se sábio experiente das margens se pode ruir toda a criação do outro pelo descrédito e desconfiança. Atores, nada deve ser alcançado a não ser qualquer ato. Diretores, ninguém pode ser dirigido afora de si. Bailarinos, é o corpo todo que escuta. Músicos, o que se compõe é um corpo.
A beleza do poder é a possibilidade não atualizada de sua irresponsabilidade, quem ainda quer ouvir-se no timbre da voz alheia? O pau cú clama máscara e rosto fundidos pela sensibilidade à pele da flor, personalidade não é uma mascarada. Pérnala quebrada da busca por verdades, seivando a primeva que almejas cantou: "Não rompam os ligamentos entre as pessoas para ver os outros cairem de joelhos perante tua autoimagem. Não reduzam as flores a narcisos, olhores. Borboletas são flores que voam, flores que mudam e insetos que dançam!" Quando um lixeiro se corta ao limpar sua casa, não visitaria-lhe os cortes costurando?
Aluno e mestre, actor e senhor escravo especta dor muito me alegra ter cumprido estas doze trilhas através destas vidas, o resto é acidente de trabalho.